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Ciclos viciosos

Vai precisar ficar muito pior para tomarmos a consciência de que vamos na direção errada. Estamos cada vez mais compulsivos. Transformamos a automação em fulga da realidade. O comer-treinar e o trabalhar-comprar tornaram-se a nossa 2a natureza. Para a população urbano-abastada, o mundo parece não fazer sentido sem esses ciclos viciosos. 

A aversão pela obesidade e pela pobreza, consideradas pela nossa sociedade iludida como símbolos da franca derrota do ser, fizeram brotar as compulsões compensatórias; as que não surgiram pelo prazer em si, mas da necessidade de compensar outra compulsão fincada no prazer, como a de comer e a de consumir. A quantidade e diversidade de artigos adquiridos aumenta a medida que diminui a realização através do trabalho, e surge a escravização pelo consumo. Trabalhamos com o que não queremos para comprar o que não precisamos.

As jornadas laborais se tornam indefinidas com a comunicabilidade 24/7. Respiramos trabalho porque cheiramos a consumo, cartão de crédito, compras pela internet, shopping center, carros bonitos e viagens mirabolantes. 

A alimentação natural é, a cada geração, gradualmente substituída por alimentos processados, refinados, açucarados, hiperlipídicos, hipersódicos e finalmente hipercalóricos. A compensação emerge de modo a manter a forma e o culto à beleza. Cresce então o número de academias, as horas de treino, as corridas e todo tipo de movimento que, a médio e longo prazo lesionam, sobrecarregam as articulações e diminuem a vida útil da nossa autonomia motora. 

Cada vez mais cedo sofremos cirurgias nos joelhos, tornozelos e ombros devido à sobrecarga exigida pela nossa medida compensatória; surge uma espécie de vigorexia naturalizada, tornada saudável, mas que na verdade é uma medida de controle da nossa compulsão alimentar. Mais uma normose. O império do sabor determina o que comemos, torna-se um consolo para as frustrações de uma vida vazia e sem sentido.

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